CALOTE SEM SENTIDO – Por Antônio Penteado Mendonça (*)
Ao contrário do que ocorre nos EUA, agricultor brasileiro tem de financiar a produção, equipamentos e enfrentar as dificuldades logísticas sem um tipo de seguro moderno.
Os Estados Unidos são os maiores produtores de alimentos do mundo. O Brasil vem bem atrás, levando em consideração o total de grãos produzidos. Há 3O anos essa diferença era gritante; atualmente, ela é grande. Os norte-americanos produzem 450 milhões de toneladas e nós produzimos 200 milhões de toneladas de grãos por ano. É mais do que o dobro, mas a diferença já foi maior. Na base do aumento da produção brasileira está o trabalho de órgãos como a Embrapa, o Instituto Agronômico de Campinas, a USP e várias outras universidades e escolas técnicas espalhadas pelo País. Graças às pesquisas dessas instituições, a realidade do campo mudou. Mas sem a participação do agricultor brasileiro nada disso teria acontecido. O grande responsável pelo desempenho excepcional do Brasil no agronegócio é o produtor rural, que se arrisca como nenhum outro empresário para produzir cada vez mais e com mais eficiência, tendo como contrapartida não o apoio forte do governo, mas estorvos como o MST, a Funai e o Incra, estes, sim, pertencentes ao governo federal ou financiados pelo poder público. Enquanto nos Estados Unidos o produtor rural está protegido contra a maioria dos eventos que podem afetar sua capacidade de produção, o agricultor brasileiro, não contente em ter de lutar para manter sua terra contra esbulhos planejados em gabinetes oficiais, ainda tem que financiar a produção e os equipamentos, além de enfrentar as dificuldades logísticas e de armazenamento, sem qualquer tipo de seguro moderno, que lhe dê a tranquilidade para investir mais no próprio negócio. Ao contrário do que acontece aqui, além do planejamento da produção, feito pelos órgãos encarregados do setor, o norte-americano conta com um sofisticado sistema de seguros desenhado para lhe dar o máximo de proteção contra eventos que possam comprometer seu negócio e seu patrimônio.
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No Brasil, as apólices levam em conta
a quebra da safra e a produção por hectare
apenas em casos de danos climáticos
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O grau de aperfeiçoamento é tão elevado que existe inclusive a possibilidade do agricultor ser indenizado por não plantar; recebendo do seguro o lucro a que teria direito, caso pudesse vender a safra não produzida.
Enquanto isso, o agricultor brasileiro tem como proteção, na imensa maioria das coberturas, seguros com desenhos antigos, absolutamente insuficientes para garantir os riscos da agricultura moderna. Os norte-americanos garantem a renda do produtor rural. No Brasil, as apólices levam em conta a quebra da safra e a produção por hectare e, mesmo isso, invariavelmente, apenas nos casos de danos em decorrência de fenômenos climáticos. Décadas atrás, o governo do Estado de São Paulo criou uma modalidade de custeio do prémio para o seguro rural, na qual o agricultor pagava 50% e o Estado os outros 50%. Diante do sucesso da iniciativa, o governo federal acabou comprando a ideia. É verdade que nunca colocou o dinheiro necessário para estender o benefício a todos os agricultores brasileiros, mas, de qualquer forma, para a safra atual, por exemplo, estavam previstos R$ 700 milhões, que até agora não chegaram. Não é a primeira vez que acontece. O fato concreto é que as seguradoras emitiram as apólices, os agricultores pagaram sua parte do prémio e o governo federal mais uma vez deu o cano. Informações recentes davam conta que, dos R$ 700 milhões previstos, haviam sido pagos R$ 10 milhões! Até aí, se o seguro rural fosse um negócio entre amigos, como vai ficando claro, que gente importante e partidos políticos próximos ao poder gostam de fazer, ninguém poderia reclamar. 10 milhões estariam no bolso. O problema é que os sinistros acontecem — este ano a estiagem custou caro — e as seguradoras, como não são o governo federal, pagam as indenizações, sem que tenham recebido o prémio para isso. Com ações como esta o governo está se superando. Além de comprometer o futuro do agronegócio, porque as poucas seguradoras que atuam no ramo vão parar de fazê-lo, também ameaça a saúde destas empresas, que cumprem com sua obrigação e indenizam os agricultores sem que para isso tenham sido pagas.
(*) PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE
LETRAS, SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA
ADVOCACIA E COMENTARISTA DA 'RÁDIO ESTADÃO'
(Nota do portal: artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo,
Cad. |Economia| B11 – 20 de abril de 2015)
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